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terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Projeto andar a pé

Projeto andar a pé
Especialmente em tempos de aquecimento global, o ato de caminhar ganha status de atitude consciente. Mais do que uma maneira de se manter saudável, cada dia mais estudiosos, urbanistas e arquitetos defendem a necessidade de tratar esse hábito como um eficaz meio de transporte. Você encara? Então saiba um pouco mais sobre os direitos do pedestre


Por Denise Ribeiro
Revista Bons Fluidos - 01/2009

De acordo com as estatísticas do Metrô, 2 milhões de pessoas circulam diariamente pela área central da cidade de São Paulo. Os dados apontam que, em número de usuários, andar a pé pela região tem o mesmo peso do transporte coletivo (1/3 das viagens são feitas totalmente a pé e 1/3 via transporte coletivo, mas com início ou conclusão a pé). “A vantagem é que no primeiro caso, como recurso energético, se solicitam apenas suor e músculos, movidos a um bom prato de arroz com feijão”, diz a pesquisadora Maria Ermelina Malatesta, arquiteta com mestrado em transporte a pé pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

Meli, como é mais conhecida, trabalha há 30 anos com projetos que priorizam a circulação do pedestre nas ruas de São Paulo e acabou de defender sua tese na FAU. Conheça os principais pontos do estudo e as tendências para abrir mais espaço para pedestres. E saiba por que caminhar, embora seja o meio de transporte mais exercido, é o mais preterido na divisão do espaço urbano.

CALÇADÃO X AVENIDAS
“Já viu o jornal da noite dar a manchete: ‘Congestionamento de pedestres na rua Barão de Itapetininga (onde circulam 14 mil pedestres por hora)?’”, diz, provocando, Meli. “Impossível, né? O que pouca gente sabe é que o movimento da rua Barão supera o da avenida 23 de Maio, uma importante via de acesso paulistana, com seus 12 mil veículos por hora passando num único sentido.

Esses dados ajudam a perceber o universo dos pedestres. Apesar disso, as necessidades deles ainda não são priorizadas. Entre os motivos, uma questão sociopolítica. No Brasil, os pedestres não se organizam em entidades, e a classe média, que é formadora de opinião e cobra soluções dos governantes, anda de carro e há tempos deixou de frequentar o centro.

MEIO DE TRANSPORTE
A pesquisadora Maria Ermelina Malatesta defende o andar a pé como a melhor alternativa para o impasse da mobilidade paulistana. Com tamanho entrave, o ir e vir sobre os próprios pés se apresenta como o meio mais rápido e sustentável para enfrentar o caos urbano. Resta saber se é viável mediante as distâncias e a falta de segurança.

Para começar, algumas atitudes simples são urgentes. É preciso investir na qualidade das calçadas. Além da providência óbvia de consertar buracos, desníveis e depressões, é necessário pensar na logística que envolve uma caminhada. Um posto policial próximo à esquina, por exemplo, atrapalha a visibilidade. “Motorista e pedestre não conseguem se ver”, explica ela.

Um tempo inadequado de espera pelo semáforo verde também tende a irritar o pedestre. “Quem anda a pé procura fazer o menor percurso no menor tempo possível. É uma questão biológica. Se tiver de esperar demais, o pedestre vai burlar as regras e cruzar fora da faixa ou entre os carros, correndo riscos”, adverte a especialista. Em 2005, de acordo com dados recentes da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), do total de mortos em acidentes de trânsito em São Paulo, 52% foram vítimas de atropelamento.

As saídas para melhorar o caos urbano dependem de vontade política. Mas tanto da parte dos viciados em automóvel como das autoridades. “Para que ir até a padaria de carro?”, provoca ela, propondo que percursos de até 2 km sejam feitos a pé. “Você leva cerca de meia hora curtindo a cidade e é melhor do que andar na esteira”, sugere. Das prefeituras, ela cobra fiscalização e multa. “Há tantas mesas de bar invadindo a faixa de 1,20 m destinada aos pedestres. A legislação existe, mas sem fiscalização ninguém cumpre”, argumenta.

PROJETOS BONS NA PRANCHETA
Muitos arquitetos responsáveis pelo desenho paisagístico de calçadões e praças fazem propostas pouco funcionais. “Os projetos ficam lindos vistos do alto, mas está na cara que quem projetou não anda a pé nem respeita o fluxo do caminhar”, alfineta Meli. “A praça da Sé (em São Paulo), por exemplo, segmenta a caminhada e acaba criando nichos pouco convidativos. Tente atravessar a praça ou comer um lanche lá. Não dá.”

A escolha dos pisos nem sempre é adequada. As placas de granito são bonitas, mas juntam água quando chove e se tornam derrapantes. O mosaico português também tem seus senões: “Embora seja o piso dos sonhos dos escritórios dos urbanistas e um material nobre, acaba cedendo ao uso contínuo ou, à passagem de carros pesados, fica escorregadio e provoca acidentes. As pedras se soltam e muitas mulheres enroscam o salto no buraco”, adverte. O melhor são materiais como o ladrilho hidráulico – um piso tradicional (uma liga de cimento com corante), barato, com visual mais ou menos, porém eficiente – e as placas de concreto antiderrapantes usadas na reforma das calçadas da avenida Paulista.

CONCEITO DE WALKABILITY
O termo mede o quanto uma rua é “caminhável”, considerando:

• O espaço útil da calçada: 1,21 m abriga com conforto dois pedestres em direções opostas.
• A velocidade desenvolvida: depende de características como a altura e o tamanho de uma passada. Em geral, um adulto se desloca a 1,20 m por segundo, um idoso e um cadeirante a 0,8 m/s. Mas a média é de 4,7 km/hora.
• O nível de segurança: não apenas em relação à qualidade do calçamento mas também do ponto de vista psicológico. Se você não tiver medo de passar por ali, é bom sinal. Um dos parâmetros é perguntar se se sentiria seguro deixando uma criança de 7 anos andar sozinha lá.
• O quanto é agradável o percurso: se oferece bancos para descansar, vitrines para o olhar, paisagismo bem cuidado. Vale dizer que até a vegetação precisa ser bem escolhida. Num local deserto, escuro, uma árvore pode provocar insegurança porque permite que alguém se esconda atrás dela. Vasos muito grandes podem virar um banheiro público. Floreiras mal posicionadas nas avenidas atrapalham o fluxo de pedestres.

O EXEMPLO HOLANDÊS
Uma das tendências urbanísticas que mais cresce na Europa é o woonerf, conceito que surgiu na Holanda e significa algo como “pátio/vizinhança”. Implantado em 1975, esse é um modelo de “rua residencial”, que estabelece a convivência harmoniosa entre pedestres, bicicletas e carros. Nesses espaços, não existem semáforos, avisos de “pare” e faixas pintadas no chão. Há apenas placas convidando o motorista a andar a 15 km por hora. O paisagismo é bem cuidado, há áreas de lazer, as ruas são planas, sem a divisão calçada/rua, que acaba impondo fronteiras ao uso do espaço. “O princípio é a conscientização de que a parte mais frágil do sistema viário, o pedestre, tem de ser priorizado”, diz Meli.
O modelo foi adotado nos anos 1970 por Inglaterra, Suécia, Dinamarca, França, Japão, Israel e Alemanha. Nos anos 1990, Holan­da e Alemanha já somavam cerca de 3,5 mil espaços woonerf.

CIDADES DIFERENCIADAS, SOLUÇÕES ATUAIS


Bogotá
Tem 8 milhões de habitantes, virou uma cidade-modelo na última década por ter derrotado a poluição, a violência, a insegurança e o tráfico de drogas. Para isso, a prefeitura investiu pesado em maiores áreas para pedestres, ciclovias e transporte coletivo. Nos últimos 12 anos, a capital da Colômbia criou 1 milhão de m2 de novas praças e áreas de lazer e 350 km de ciclovias. O Transmilênio, um sistema de corredores de ônibus, diminuiu o trânsito e reduziu a emissão de poluentes.

Curitiba
Inspirou o Transmilênio e se tornou uma referência mundial de qualidade de vida depois de ter criado um dos primeiros corredores de ônibus integrados a outros modos de transporte.

Florianópolis
É outra cidade com circulação pensada no centro. Tem camelódromo organizado, calçadão bem resolvido. As calçadas planas têm piso podotátil (com saliências que orientam o pedestre a ficar longe da rua), que se estende até o rebaixamento da calçada. O deficiente físico visual percebe que está prestes a enfrentar uma travessia.

Seul
Capital da Coréia do Sul, derrubou uma espécie de minhocão de 8 km para abrir espaço para um parque com atrações culturais. O viaduto passava sobre o leito do poluído rio Cheonggyecheon, que havia sido aterrado. Em quatro anos (de 2002 a 2006), ele foi recuperado e ganhou fontes, peixes, cascatas e turistas. As mudanças geraram ganhos ambientais. A temperatura diminuiu 3,6 °C, passando de 36,3 para 32,7 °C.

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