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quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Entre o velho e o novo: um dilema

A Preservação do Patrimônio Público é uma ação a se pensar. Quando é que devemos preservar ou "pôr tudo a baixo"? Porque tanta persistência em preservar edificações totalmente corroídas pelo tempo? Ontem vi no Jornal (na televisão) algumas igrejas antigas que estavam totalmente podres por dentro, pois eram feitas de madeira. A comunidade estava protestando sobre as condições das igrejas, pelas suas pinturas destruídas pela infiltração e pelos seus telhados quase caindo. Até que ponto é possível aliar a modernidade e a preservação da história?
Traduzi (devo agradecer muito ao Samuel também!) esse texto do site da UNESCO onde retrata esse contraponto entre velho e novo e algumas possibilidades de reconciliação.
O texto original pode ser encontrado no endereço: whc.unesco.org/documents/publi_wh_papers_09_en.pdf

Fotografia: Adriano A. Santos

CENTROS HISTÓRICOS EM DIREÇÃO À MODERNIDADE (tradução)

Em toda cidade a coexistência do passado com as aspirações do presente é uma relação complexa, a qual deve ser renegociada. Muito freqüentemente, apenas duas visões completamente opostas da cidade estão presentes no imaginário público: a super nova cidade tecnológica - eficiente e que oferece conveniências modernas -, ou a cidade histórica – preservada como se estivesse no âmbar, autêntica, mas estática e retrógrada-. Cada um destes extremos são contrários para um vital e profundo senso de identidade urbana, e eles sugerem, falsamente, que a relação entre estas alternativas devem ser competitivas e mutuamente exclusivas. Por um lado, coleções de arranha-céus brilhantes e fachadas lustrosas de uma estéril e ilimitada modernidade podem aparecer como ameaças para o mais tradicional e humano aspecto da vida urbana. Por outro lado, preocupação pela preservação da memória viva da cidade pode resultar num congelado e mumificado centro histórico apartado do aspecto moderno da cidade e cada vez mais irrelevante para todos, exceto para os turistas. Mas a ambição do presente e a persistência do passado nas cidades nem sempre precisam ser propósitos antagônicos. Pelo contrário, eles podem complementarem-se mutuamente.

Para alguns, quer eles sejam tomadores de decisão, quer sejam membros do público em geral, esforços para proteger o patrimônio público e as tradições são preocupações retrógradas. O pior, eles são percebidos como esforços perturbadores da ordem que impedem a modernização ou até mesmo como expressões da rejeição programática do modernismo. Em países em desenvolvimento, preservação do patrimônio público é na maioria das vezes considerado um luxo que não é apropriado, dada às pressões do imperativo do desenvolvimento. Por outro lado, especialmente por aqueles que têm dedicado suas vidas profissionais para preservar o patrimônio público de várias formas, demandas modernas são percebidas como não fundamentadas especialmente quando é uma questão de perder elementos do patrimônio público que são insubstituíveis. Podem estas perspectivas aparentemente opostas se reconciliarem?

Objetivos alcançados atualmente têm fornecido mais razões para ser otimista. Cada vez mais os vários interessados na cidade estão aprendendo como fazer para chegar a um acordo e como trabalhar juntos, e há uma crescente conscientização de como as pautas aparentemente diferentes de proteção do patrimônio público e desenvolvimento se interagem. Por parte das agências de desenvolvimento e das instituições internacionais, esta nova consciência manifestou-se na forma de compromisso com o projeto de desenvolvimento da UNESCO baseado na promoção ao capital cultural, em Laos pela Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), na Turquia pelo Banco Japonês de Co-operação Internacional (JBIC), ou em Yemen pela Co-operação Técnica Alemã (GTC) e os resultados destes projetos têm sido muito encorajadores. Os participantes desta oficina expressaram uma vontade comum de tomar medidas para confrontar as ameaças para as culturas locais e para as culturas diversificadas em geral.

O surgimento desta ambição compartilhada demonstra que a proteção do patrimônio público e os imperativos da modernização não precisam ser contraditórios. A impressão que a proteção do patrimônio público é uma reação isolacionista às forças da modernidade, uma retirada para dentro tem sido amplamente desacreditada e a conscientização está crescendo, sobre como, pelo contrário, patrimônio público pode ser usado para alavancar esforços de desenvolvimento urbano. Proteção do patrimônio público e avanços em direção à modernidade não são mutuamente exclusivos.

Muito freqüentemente obras públicas urbanas, quer envolvam infra estrutura tais como rodovias, quer prédios tais como escolas e hospitais, são realizados em detrimento da identidade cultural das cidades e radicalmente alteram seu ambiente e aparência. Mas a proteção do patrimônio público e a modernização não precisam ser incompatíveis, como o projeto financiado pela Agência Francesa de Desenvolvimento em Luang Prabang (Laos) demonstra, especialmente no detalhado trabalho feito com as pequenas passagens do tecido histórico das cidades. O fornecimento de serviços comunitários feitos com a população no avanço do projeto de adaptação da infra estrutura de drenagem para servir espaços públicos, a seleção de materiais de qualidade e o trabalho dispensado para assegurar harmonia entre a escala da nova construção e a paisagem urbana existente, tudo isso permitiu que o tecido urbano e a identidade local fossem preservadas enquanto satisfaziam prioritariamente as necessidades dos habitantes.

Políticas de mobilidade urbana e em especial, a sistemática adaptação de cidades européias para o uso de carros de passageiros, tem destruído a paisagem urbana. Para moderar esta tendência em direção a uma completa automobilização da cidade, modos alternativos de mobilidade têm sido introduzidos, tais como a linha de trem de Strasbourg na França. Estes novos modelos de transporte têm satisfeito objetivos simultâneos, aumentando a mobilidade enquanto melhoram a qualidade do espaço urbano e providenciam uma base para projetos de reestruturação urbana. Reconciliar proteção do patrimônio público e a demanda de mobilidade é uma escolha política, mas ela é uma escolha que está disponível e que há muitos projetos bem sucedidos que mostram que o princípio de desenvolvimento sustentável quando ele é levado em consideração no início da prática política, pode ser o centro das políticas urbanas.

Política pública, e principalmente a política municipal, tem meios para reconciliar o imperativo do modernismo com os objetivos políticos dos patrimônios públicos. De qualquer modo, sucessos a longo-prazo com esta estratégia dependem se o público possa ser alistado no esforço, desde que haja realmente comportamentos diários que assegurarão que o patrimônio público seja protegido. A população local tende a ser a favor de prédios modernos e espalhafatosos tais como as vilas padronizadas com vistosas colunas neo-góticas e telhados brancos que são preferidas à tradicional casa de madeira. A questão não é desencorajar esta evolução de gosto ou necessidade, mas até certo ponto propor alternativas e fazê-las acessíveis. A população teria outros modelos a considerar, outras referências deveriam ser acessíveis para o público, tanto que eles têm a possibilidade de fazer escolhas informadas e responsáveis. Projetos recentes demonstram como estes podem funcionar, sem os habitantes terem que sacrificar confortos modernos, como no caso da Villa Xieng Mouane em Luang Prabang (Laos). Outra aproximação é introduzir modelos de arquitetura moderna de sucesso no tecido histórico. Estes educacionais e conscientes esforços são essenciais se o patrimônio público for preservado a longo-prazo.

Longe de ser um obstáculo para o desenvolvimento, o patrimônio público e a identidade cultural das cidades podem trabalhar como condutores para o desenvolvimento local. Eles podem simular e ajudar nas atividades econômicas diferenciadas e trabalhar para estimular a prática recorrente e a atratividade dos atores econômicos da cidade.

É uma questão de simples observação, uma vez que o local é inscrito na Lista Mundial de Patrimônio Público, o nível de turismo daquele local aumenta substancialmente. O status do patrimônio público mundial tem se tornado uma marca de qualidade para a indústria do turismo e uma vantagem para as autoridades locais, tanto para crescer o número de visitantes quanto para tornar suas interações com os locais que eles visitam mais significativas. Localmente, o turismo é visto como uma oportunidade de desenvolvimento e um caminho para criar empregos e trazer dinheiro. O status do patrimônio público mundial também oferece ao local uma exposição internacional, atração de investimentos e privilegia a realização de eventos tais como festivais e feiras internacionais, que pode então atrair ainda mais visitantes e atração de atenção de investidores internacionais e outros partidos. Todavia, este alto crescimento no turismo também tem custos. Primeiro de tudo, ele impõe um considerável custo financeiro para as autoridades, que investe mais massivamente em infra-estrutura para suportar o novo influxo de visitantes. Há também custos ambientais, e ocasionalmente o turismo pode causar danos irreversíveis para o ambiente natural e seu patrimônio público. O desenvolvimento do turismo é também muito instável, e dramaticamente flutuante com a moda e a situação geopolítica, tornando difícil para autoridades se controlarem e se planejarem para isso. Além do mais, uma excessiva presença de turistas pode acabar ferindo o caráter local e afugentando os turistas, um fenômeno conhecido como “O Ciclo da Exaustão Local”. Finalmente, o desenvolvimento turístico não beneficia a população de uma maneira uniforme, e algumas vezes pode contribuir para um aprofundamento das desigualdades sociais. O impacto do turismo no desenvolvimento local é, desse modo, muito diverso e difícil de quantificar. O planejamento avançado é extremamente importante quando lugares estão sendo desenvolvidos para o turismo, para distribuir o impacto do aumento dos números de visitantes por toda a região ou cidade relacionada e para redistribuir eficientemente o rendimento gerado pela atividade.

Então que o turismo pode beneficiar não apenas toda a região mas também melhoras diretamente nas condições de vida para a população local – de modo que pode ser uma verdadeira força impulsionadora para o desenvolvimento- políticas de turismo devem incluir uma estratégia para diversificações econômicas. O que é mais importante no começo é preservar a economia agrícola, a qual é algumas vezes ocultada pelo turismo. Trabalhadores rurais geralmente abandonarão seus campos em busca de empregos relacionados com o turismo que geralmente no final acabam sendo mais precários. Outro foco é fornecer apoio para a indústria e produção (materiais de construção local, artesanato, etc.) através do uso de rótulos de qualidade ou subsídios de exportação. Atividades comerciais em prédios listados deveriam ser apoiadas com uma visão para tornar lucrativas atividades de conservação.

Identificar e enfatizar os elementos constitutivos da identidade da cidade pode assim fazer uma contribuição importante para o desenvolvimento econômico local enquanto também fazendo-o mais atrativo para investimentos. Entretanto, administrar o desenvolvimento urbano, de maneira que os imperativos da modernização não coloquem em perigo a identidade e os vestígios do passado, exigem que atores profissionais e políticos desenvolvam nova tecnologia e abordagens e trabalhem na direção de uma nova forma de governo.

Pra tornar realidade, atores públicos e privados devem negociar para encontrar uma situação em que todos se beneficiem. Algumas vezes os objetivos de planejadores e a política do patrimônio público podem parecer estar com propósitos diferentes, mas análises econômicas sugerem que há um amplo acordo comum. Por exemplo, estratégias de desenvolvimento comercial que indiscriminadamente e sistematicamente substituem prédios históricos com uma nova, mais alta e mais densa estrutura moderna sem considerar valores arquitetônicos acabam diminuindo valores de suas próprias vizinhanças, reduzindo o potencial de renda do turismo e atenção de investimentos no processo. Ao mesmo tempo, tais atividades podem resultar em abastecimento excessivo de espaço de escritório e residencial e pode perturbar toda a propriedade do clima. Preservar a identidade cultural desse modo pode também acrescentar valores para apartamentos históricos e outros espaços vivos. No caso de Barcelona (Espanha), foi apenas através de um diálogo constante com o público e um consenso entre investidores e planejadores que as autoridades municipais foram capazes de impor construções distintas e padrões arquitetônicos e assim levar seus projetos de renovação urbana em direção ao sucesso.

Este novo modelo está também sendo implementado no nível internacional. Muitas agências internacionais de desenvolvimento pensam nos investimentos do patrimônio público ou como luxos que eles não conseguem ter recursos ou como um campo fora de suas especialidades. Por outro lado, existem muitos outros atores que passaram a ver a cultura e o patrimônio público como importantes vetores para o desenvolvimento econômico, quer isso aconteça através do desenvolvimento do turismo quer através de projetos urbanos. Entretanto, projetos desenvolvidos com uma clara referência ao patrimônio público entre suas prioridades permanece escasso. Isto pode ser explicado em parte pelas dificuldades de quantificar os valores culturais na tradicional análise de custo-benefício. Algumas instituições estão respondendo a esta necessidade pelo desenvolvimento de ferramentas quantitativas mais elaboradas. O Banco Mundial em consulta com a UNESCO desenvolveram uma série de indicadores para mediar a extensão até a qual elementos culturais estão integrados em estratégias de desenvolvimento.

Esforços Internacionais de Co-operação deveriam assim adaptarem-se ao modos como políticas urbanas estão mudando, e em particular, deveriam pensar em considerar uma nova divisão de responsabilidades entre o governo central e autoridades locais. Co-operação descentralizada- entre cidades do Norte e Sul assim como entre cidades do próprio sul – pode ser uma maneira de adaptar-se para o processo de descentralização e atender a necessidade de aumentar habilidades e recursos para o nível local. Co-operação cidade-para-cidade é um eficaz modo de transferir conhecimento e capacidade. No caso de Luang Prabang (Laos) e Chinon (França), a ênfase sobre semelhanças no patrimônio público das duas cidades foi a base dos esforços de cooperação.


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